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O adiamento do rastreio do câncer de mama e as consequências para a saúde pública

Dilema entre risco e benefício de manter atendimento médico pode trazer impactos futuros

Por Linei Urban, radiologista e coordenadora da Comissão de Mama do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem

Não é novidade que a pandemia da Covid-19 reestruturou o cotidiano do mundo todo. Por causa da necessidade do isolamento social para conter o número de novos casos, várias atividades do dia a dia foram afetadas, entre elas o próprio cuidado com a saúde. Para nós, radiologistas, um dos pontos mais alarmantes observados durante esse período é o adiamento dos exames de rastreamento de câncer em virtude do receio de infecção pelo novo coronavírus no próprio ambiente hospitalar.

A fim de minimizar evidentes riscos e impactos na saúde pública, sobretudo nos pacientes mais vulneráveis, sociedades médicas e instituições ao redor do mundo estipularam recomendações sobre o manejo do rastreamento e diagnóstico da doença durante a pandemia.

O tratamento do câncer consome recursos de saúde significativos, e os pacientes com câncer não apenas estão frequentemente expostos aos ambientes médicos, mas também correm um risco significativo de terem um desfecho desfavorável se infectados com o novo coronavírus. Por isso, nós, profissionais da saúde, estamos frequentemente diante de decisões difíceis em relação à alocação de recursos limitados. Pesar o risco do atraso no tratamento do câncer e os danos da exposição a infecção nunca é uma análise simples. Como possível consequência desse cenário, temos observado uma significativa diminuição nos encaminhamentos e diagnósticos de câncer durante o pico de casos da Covid-19.

Notamos, pela primeira vez, redução dramática no número de consultas durante a pandemia de Covid-19. Observamos diminuição gradativa de consultas à medida que aumentava o número de novos casos no Brasil. Especificamente sobre câncer de mama, dados do Ministério da Saúde apontam que, entre janeiro e julho de 2020, o número de mamografias realizadas foi reduzido em quase 50% em comparação com o mesmo período do ano passado, além do restringimento de 4% no número de cirurgias.

A demora no rastreamento do câncer e no atendimento do paciente diagnosticado com tumor maligno impacta o cenário oncológico em um futuro próximo. Sabemos que alguns tumores requerem diagnóstico e tratamento imediatos, e que mesmo pequenos atrasos podem impactar significativamente a expectativa de vida do paciente. No cenário global, o câncer de mama é o tipo mais frequente entre as mulheres, com estimativa de mais de 60 mil novos casos a cada ano.

Adiar o diagnóstico do tumor de mama pode causar um efeito rebote e criar um elevado crescimento da doença, o que acarreta maiores custos para o sistema de saúde, que já estava sobrecarregado antes mesmo da pandemia, e tratamentos mais severos para as pacientes. Em alguns casos, impactará também a taxa de sobrevida dessa população.

Como o número de casos de Covid-19 ainda está aumentando em nosso país, o tratamento do câncer continuará a enfrentar desafios e exigirá decisões individualizadas com base na condição de cada paciente e nos recursos de cada hospital. É importante que os centros oncológicos definam uma abordagem proativa para diminuir a exposição do paciente ao vírus, adaptando o cuidado oncológico durante esse período incomum, conforme recomendado por entidades nacionais e internacionais de saúde.

Também é necessário que entremos em contato com os pacientes para minimizar suas mudanças de comportamento em relação ao tratamento do câncer. Nesse contexto de pandemia, é fundamental uma resposta rápida e bem estruturada.

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